Um Newcastle à imagem de Benitez

Everton e Newcastle enfrentavam-se nesta segunda-feira à noite, em Liverpool. Numa clara tentativa de aproximação aos lugares cimeiros da p...

Everton e Newcastle enfrentavam-se nesta segunda-feira à noite, em Liverpool. Numa clara tentativa de aproximação aos lugares cimeiros da primeira parte da tabela, previa-se um jogo equilibrado e bastante interessante de acompanhar, fruto dos resultados recentes de Newcastle (vinha de 4 vitórias consecutivas, a última frente ao Arsenal) e um desejo ainda acalentado, por parte dos Toffees, em alcançar o surpreendente Burnley no 7º e último lugar Europeu.


Os Homens da casa apresentaram-se com o seu onze cimentado na agilidade de Gana, no rigor táctico de Schneiderlin e na qualidade de passe de Rooney, a ponte entre o lutador Tosun e o resto da equipa - à semelhança do que já ia fazendo em Manchester. Nas faixas laterais havia Bolasie e Walcott, duas flechas dispostas a causar dor de cabeça ao adversário.


Por seu lado, o Newcastle, motivado mas ciente da dificuldades, apresentava-se com Slimani na frente e Ayoze Perez a ser o homem do apoio e dos espaços vazios. No meio tinham Diamé, uma montanha física, e Shelvey, o homem que assume as despesas da construção ofensiva.

Num primeiro tempo marcado pelo equilíbrio e rigor táctico dos Magpies, a bola rolou pouco de pé para pé e invariavelmente perdia-se na falta de criatividade. Benitez pretendia defender com uma linha de 4 defesas e outra de 4 médios  (bloco baixo) onde os alas Ritchie e Kenedy focavam-se mais nos seus opositores (ajudando os seus laterais no acompanhamento defensivo dos extremos adversários) do que propriamente nas incursões ofensivas. Ayoze Perez e Slimani partilhavam terrenos mais ofensivos, ainda que descessem significativamente quando não tinham bola. Tudo porque o técnico espanhol não queria fazer pressão alta para não ficar fora de posição. Bem ao seu estilo. 

Defensivamente a equipa posicionava-se num 4-4-1-1, enquanto que, com bola, o 4-2-3-1 do espanhol ficava dependente dos movimentos do avançado Ayoze Perez. Na prática, foi raro o 4-4-2 e um jogo demasiado "preso" por parte dos alas tornava escasso o 4-2-3-1.

a preocupação dos Magpies em ter sempre as suas linhas atrás da bola e evitar a falha de posicionamento a todo o custo.

No fundo, a versatilidade perdia perante o rigor táctico e o 4-4-1-1 apoderou-se do Newcastle. Para quem acompanhou Slimani e sabe a sua maneira de jogar, por entre o confronto físico, a pressão alta e a entrega constante, este argelino pareceu mais pesado, recuado e "poupado" nas suas acções, especialmente as defensivas. 

Com um Newcastle contido e focado nos seus processos defensivos, o Everton esbarrou invariavelmente no adversário. Já com bola, os Magpies procuravam os pés de Shelvey, a quem entregavam a condução das suas jogadas. Todavia, a busca pela profundidade, por um jogo muitas vezes vertical e inconsequente, bem como a constituição de duas linhas demasiado recuadas, não permitiam que a bola chegasse à frente, em especial a Slimani, nem colocava o astuto Perez em jogo... tudo isto permitia que Pickford tivesse uma noite descansada. 

O distanciamento dos jogadores do Newcastle era revelador do foco nos processos defensivos. Slimani em vez de procurar receber, pede balão para as costas... acabou nas mãos de Pickford.

A partir da meia hora de jogo o Everton procurou algo mais e fez aquilo a que chamamos "tipicamente britânico": despejou mais bolas para a área. Rooney assumia as despesas, virava o flanco e o esférico rapidamente acabava em cruzamento para a área. Esta atitude trouxe mais emoção mas não a qualidade desejada.

Ainda antes do intervalo, o Newcastle beneficia de uma grande ocasião, numa jogada de pressão alta, uma das poucas vezes em que o brasileiro Kenedy aparece em terrenos subidos, e após um mau pontapé do guardião contrário. Contudo, Ayoze Perez desperdiça uma excelente oportunidade: bastava colocar a bola no pé do isolado Slimani. O passe saiu demasiado adiantado e o argelino, longe de ser rápido, não chegou. Mãos na cabeça e Benitez sabia que, nestes jogos fechados, estes pormenores faziam a diferença...

Ayoze apenas precisava de meter no pé de Slimani, completamente isolado. O passe saiu demasiado adiantado.

O intervalo espelhava o medo de ambas as equipas em perder. Talvez premiasse o rigor táctico dos pupilos de Benitez.

A segunda parte começou com um aproveitamento do Everton: bola na linha, do lado direito, Bolasie despeja para a área e, ao segundo poste, Walcott beneficia de alguma atrapalhação e de um ressalto para fazer o golo. Um lance em que se constata que Tosun ganha as costas ao central que o marca (este perde a noção do avançado no contacto visual com a bola) e Yedlin, na pretensão de vir fechar, não intercepta a bola e deixa Walcott liberto nas costas. Um mau arranque para os Magpies. 

Cruzamento de Bolasie, o central perde a referência de Tosun e é Walcott quem acaba por marcar. Yedlin ficou entre um e outro.
Daqui para a frente cabia ao Newcastle tentar algo mais. O Everton serenou e chegou a ter alguns momentos em que conseguiu trocar a bola de pé para pé. Todavia, invariavelmente, as jogadas de ataque da equipa da casa cingiam-se ao flanco direito, com especial destaque para o surgimento de Coleman. Tudo isto tem uma explicação: Kenedy apareceu mais subido nesta 2ª parte, deixando mais espaço nas costas. Do outro lado, Matt Ritchie teve uma 2ª parte bastante curta e de tracção atrás.

Após o golo, Slimani ficou menos expectante, correu mais, pressionou mais à frente e já sentia a companhia de Ayoze Perez nesse movimento. Todavia nem sempre as decisões foram as melhores e os buracos que a defensiva dos Toffees concedia não eram aproveitados...

Ayoze Perez tem uma oportunidade de rematar ou servir o companheiro, completamente isolado.
Demorou e o defesa caiu-lhe em cima.
O meio campo também parecia querer soltar-se das amarras do primeiro tempo. Shelvey pisava terrenos mais ofensivos e a energia de Diame faziam-no estar em todo o lado. Havia mais espaço, para o bem e para o mal. A intensidade do jogo aumentava.

O Everton fez com que Walcott e o recém entrado Calvert-Lewin (para o lugar de Bolasie) procurassem mais o jogo interior, altura em que os laterais dos Magpies arriscavam um pouco mais, com particular destaque para o veloz Yedlin.

Aos 62 minutos de jogo, Benitez troca o avançado argelino por Gayle. Uma clara procura de refrescar o ataque e beneficiar da velocidade do jogo em profundidade, vivendo das desmarcações constantes dos homens da frente. Um minuto depois, desperdiçara uma rara e flagrante ocasião. 

Pouco depois, coube ao jovem Kenedy dar o último passe e isolar o avançado inglês. Mas, inexplicavelmente, o brasileiro pretendeu segurar, rodar e colocar na linha... o desespero de Benítez era compreensível!

Desta vez foi o brasileiro a receber e a não meter a bola em Gayle. O inglês, com a bola a entrar no espaço vazio, ficava com tudo para o golo. Kenedy optou por jogar na linha...
Nos últimos 20 minutos de jogo, Rafa tira o apagado Ritchie e refresca com o ousado Murphy. Percebia que o lado direito da equipa ficou preso à táctica e nunca se libertou para o jogo, ao contrário do seu lado oposto. Para o meio tira o esgotado Shelvey e lança Merino, o espanhol que junta capacidade atlética a uma grande qualidade técnica - critério no passe, essencialmente.

Mesmo com mais homens no apoio aos da frente, foram poucas as vezes em que o golo esteve perto e o cansaço de Perez retirou-lhe discernimento, acabando por transformar lances perigosos em lances perdidos.

Eis um exemplo: Merino está no apoio, totalmente liberto, pedindo a bola, mas o avançado decide despejar na área, para Rooney (sim, leram bem) cortar. Não havia ninguém do Newcastle por ali...

Novamente Ayoze Perez. Merino pede a bola já dentro da área, em apoio, completamente sozinho. Mas o colega cruza para Rooney.
O jogo acabaria por chegar ao fim com a vitória do Everton, por 1-0. Um lance atabalhoado mas devidamente aproveitado pelos homens da casa decidia uma partida fechada, emaranhada na preparação de Rafa Benitez. O Newcastle, apesar de ter sido bastante operário, paga a factura ao desperdiçar os erros do opositor e ter falhado num momento... o do golo.

Ainda assim, o ADN do recém promovido Newcastle é notório: enorme rigor, uma ideia de jogo cimentada e uma equipa à imagem do seu técnico. Muito trabalho sem bola e pouca espectacularidade. A assinatura de Rafa.

Uma época descansada assenta-lhes bem.


Tiago Carvalho


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