Porque quem nasce sem nada, nada tem a perder

31 de Maio de 2002, quando muitos de nós ainda questionávamos se no futebol havia ricos e pobres, grandes e pequenos. Em campo entrava ...

31 de Maio de 2002, quando muitos de nós ainda questionávamos se no futebol havia ricos e pobres, grandes e pequenos.

Em campo entrava o desconhecido e estreante Senegal frente à actual campeã mundial e europeia França.

Os olhos do mundo estavam postos naquela que é, provavelmente, a selecção mais marcante da história gaulesa. O mundo era Blue e a Coreia do Sul saudava o detentor do troféu.

Quando a bola começou a rolar os campeões, de nariz empinado, fizeram questão de puxar pelos galões. Coube a Trezeguet mostrar o caminho, mas esbarrou num poste inerte.

Quando não foi o poste foi Tony Silva. Uma exibição mágica, daquelas de mostrar mais tarde aos netos.

E tudo Silva parou...

Na frente, os senegaleses ameaçavam na velocidade e na coragem. El Hadji Diouf era um jovem de cabelo pintado, futebol aromatizado e dono de uma irreverência sem fim. Era mais um dos africanos que se sentiam em casa ao jogar contra a França. E como quem se sente em casa, perdeu a vergonha e partiu para cima.

E eis que, numa jogada desse tal Diouf pelo flanco esquerdo, a bola chega a Papa Bouba Diop. Meio no chão, meio trapalhão, por entre as mãos de Barthez e o olhar impotente de Desailly, o surpreendente golo apareceu.


O mundo parou por instantes. A França perdia.

Não mais o marcador se alterou e os heróis senegaleses dançavam numa bandeirola de canto, com a alegria típica de quem tanto joga num campeonato do mundo como na rua.

O planeta parou porque as Lendas caíram. Porque o pobre, o pequeno, se agigantou num jogo em que, à primeira vista, não era seu.

E eu lembro-me, por entre as memórias mais belas de uma adolescência, de chegar naquela tarde à escola e contar de sorriso no rosto:

"A França perdeu! O Senegal ganhou"

A França caiu mesmo, veio para casa ainda na fase de grupos com um vergonhoso 4º e último lugar. O soco no estômago sofrido neste primeiro dia paralisou uma equipa habituada a ganhar.

O Senegal, naquele jeito descontraído, inocente e bem africano, próprio de quem joga pelo prazer e não pelo resultado, terminou em 2º e só caiu nos Quartos de Final, no prolongamento, aos pés da Turquia.

Há 15 anos atrás o mundo unia-se em torno do futebol para mais um campeonato do mundo.

Há 15 anos atrás o mundo levou uma lição de humildade.

Tudo por culpa daqueles meninos senegaleses que não tinham medo de papões.

Porque quem nasce sem nada, nada tem a perder.




Tiago Carvalho

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