Saber dar um passo atrás para estar dois à frente

Portugal e Bélgica são duas selecções temidas na Europa e no mundo futebolístico. Ao lado das suas bandeiras vêm rostos e nomes que a actual...

Portugal e Bélgica são duas selecções temidas na Europa e no mundo futebolístico. Ao lado das suas bandeiras vêm rostos e nomes que a actualidade consagra. Mas, se nos dias de hoje, ao olharmos para os dois países, vemos adversários poderosos e temíveis,  o passado relembra-nos que nem sempre foi assim. Vamos a factos e à Selecção Belga. Posteriormente, Portugal.

Tomaremos como amostra os dados compreendidos entre 2000 e 2016. Por uma questão de facilidade de análise, sintetização e enquadramento de uma ideia que nos segue: a evolução futebolística e geracional dos países.

Nos últimos 16 anos, em 4  mundiais possíveis, a selecção belga participou em 2 (em 2002 no Coreia-Japão e em 2014, no Brasil). Nos últimos 5 Europeus, participará em 2, o de 2000, no qual teve entrada directa por ser um dos organizadores - a par da Holanda - e o de 2016, que se realizará este Verão, em França. Algo curioso para quem, de repente, se apresenta como uma grande potência do futebol. 


Fonte Wikipedia

Ora, e quanto a Portugal?

Nos últimos 4 Mundiais, Portugal participou em todos eles - 2002 (Coreia-Japão), 2006 (Alemanha), 2010 (África do Sul) e 2014 (Brasil). Quanto aos Europeus, novamente o pleno, 4/4 - 2000 no Holanda-Bélgica, 2004 enquanto anfitrião, 2008 no Áustria e Suiça e, por fim, em 2012, no Polónia-Ucrânia. Uma participação regular e consistente da equipa lusa, com lugares no pódio e decepcionantes "quases"


Fonte Wikipedia

Então, como se transformaram os belgas? Que mudanças existiram e que diferenças existem entre os jogadores de agora e os passados? Vamos olhar para os 11 bases dos torneios de 2000, 2002 e 2014

Em 2000:

Destaque para De Wilde, ex guarda-redes do Sporting Clube de Portugal. Marc Wilmots, ex jogador de Bordéus e Schalke e aqui representado a médio centro, é hoje o seleccionador belga, que almeja atingir a glória. Na frente havia Emile Mpenza, possante atacante que deu nas vistas ao serviço do Schalke. Em súmula, os anfitriões do Euro 2000 entraram na festa, fizeram das tripas coração mas, verdade seja dita, o talento não abundava e o fraco futebol belga era perceptível.

Em 2002, no Coreia-Japão, um Mundial com caras muito similares. A diferença? Aparecia Johan Walem no meio campo, um jogador com experiência de futebol italiano e um forte sentido defensivo. Van Buyten era um jovem defesa belga do Olympique de Marselha, muito promissor e que acabaria por jogar no Manchester City e Bayern de Munique. O talento continuava escasso e limitado.


Foi depois da paupérrima imagem deixada nestas duas competições - uma delas quando os olhos se centravam no país - que levou  os "Rode Duivels" a arregaçarem as mangas e meterem mãos à obra. O futuro teria forçosamente de ser melhor, mais digno e talentoso. O jogador belga teria de voltar a encontrar-se e redefinir-se. O futebol já não era apenas força nem apenas chutão.

Em 2007 os belgas ocupavam o longínquo 71º lugar no Ranking FIFA. Um trambulhão doloroso mas necessário, que ajudou a criar a visão de um futuro necessariamente diferente e melhor.

Por esta altura a revolução já estava em curso e em 2007, pelos sub-21 da Bélgica e pela seleção A, iriam passar jovens que marcaram o nosso futebol:

Thomas Varmaelen - 21 anos
Nicolas Lombaert - 22 anos
Guillaume Gillet - 22 anos
Tom de Mul - 21 anos
Kevin Mirallas - 19 anos
Jan Vertonghen - 20 anos
Maarten Martens - 22 anos
Marouane Fellaini 19 anos
Witsel - 18 anos
Kompany - 22 anos
Defour - 19 anos
Mousa Dembele -19 anos

Em bom rigor, os belgas começaram a renovação do futebol logo a seguir ao decepcionante Euro 2000. Apostaram na formação de treinadores, investiram nas camadas jovens e abordaram o jogo do ponto de vista cientifico, uniformizando o ensino do futebol e implementando ideias inovadoras. O contacto permanente entre a bola e o jogador passou a ser vital - como se pode ler e confirmar aqui.

Em 2010, num grupo com a fortíssima Espanha, voltaram a falhar o apuramento para o Mundial, mas na equipa já estavam jovens jogadores que hoje dão cartas pela Europa fora. O talento potencial amenizava as feridas da decepção imediata.

Belgica: Stijn Stijnen; Gill Swerts, Timmy Simons, Vincent Kompany, Thomas Vermaelen; Gabi Mudingayi (Tom De Sutter, 57), Axel Witsel, Marouane Fellaini, Kevin Mirallas (Eden Hazard, 73), Moussa Dembele, Weskey Sonck (Guillaume Gillet, 89).



Em 2012, no apuramento para o Europeu, ficaram mais uma vez de fora. Ficaram num Grupo liderado pela impressionante Alemanha e falharam a perseguição à Turquia por muito pouco. Estavam mais perto, muito mais perto dos grandes palcos!


Nesta fase de qualificação já se destacaram jogadores que iriam ser a base da selecção actual: entre os quais,

Simon Mignolet, à espreita Courtois; Vincent Kompany, Thomas Vermaelen, Toby Alderweireld, Lombaerts, Jan Vertonghen; Hazard, Dembele, Mirallas, Defour, Fellaini, Gillet, Witsel, Dries Martens, Chadli, com De Bruyne à espreita; Tom de Stutter, Betenke, Ogunjimi, Vossen, Lukaku.

Ora, como se referiu supra, os falhanços passados fizeram nascer uma das melhores selecções da actualidade. E nem os percalços de 2010 e de 2012 fizeram cair a ideia que em 2001 implementaram. O trabalho que tinham construído estava lá, o talento era palpável e o fruto seria colhido. Os "meninos" só precisavam de tempo.

E eis que, no mundial de 2014, a Bélgica atinge o seu apogeu. Com um misto de experiência e irreverência, muitos destes jogadores já são top mundial, prontos para colher os frutos que foram plantados. Os belgas fizeram uma grande fase de apuramento e, em pleno Mundial, chegam aos quartos de final, só perdendo para a finalista vencida, a Argentina de Lionel Messi. O golo de Higuain deitou por terra os sonhos de um país orgulhoso e de cara lavada.



Quanto a Portugal,

em 2000 vivia o amadurecimento da sua geração de ouro, capitaneada por Luis Figo, sob a batuta de Rui Costa e alicerçada em Fernando Couto e Jorge Costa. Havia talento para praticamente todas as posições e toda a Europa esperava que fossemos uma equipa de talento. Em pleno Euro 2000, chegámos às meias finais, eliminados pelo penalti de Zinedine Zidane. A França viria a ganhar o troféu e Portugal espantava o mundo com jogos fantásticos, como os realizados frente à Inglaterra (vitória por 3-2) e Alemanha (vitória por 3-0).



Fruto da brilhante campanha de 2000 e de um regresso em cheio aos grandes palcos europeus, era com enorme expectativa que se encarava a aventura asiática de 2002. As casas de apostas olhavam para Portugal como uma possibilidade séria e os portugueses esperavam que a sua geração continuasse a espalhar magia. Todavia, nada correu bem (à excepção da vitória sobre a Polónia) e viemos para casa cedo demais. Estados Unidos e Coreia do Sul foram mais fortes e eliminaram-nos.



Entre os seleccionados, havia o jovem Hugo Viana (19 anos), Jorge Andrade (24 anos) e Marco Caneira (23 anos). À direita da defesa, jogava Beto, o central leonino. Eram jovens aos quais o país reconhecia qualidade e que começavam lentamente a conviver com os seus ídolos de infância.

O tempo lá adormeceu as feridas que 2002 deixou. Em 2004 recebíamos o Europeu e a atenção futebolística centrava-se em nós. Numa altura em que os esteios da geração de ouro começavam a pedir substitutos à altura, a mistura entre o presente e o futuro foi muito interessante. Um torneio incrível de uma selecção com um povo incrível. Pena a Grécia (por 2 vezes) ter estragado a festa...

Portugal em 2004:

Em 2004, por entre Rui Costa e Luis Figo, havia Helder Postiga, Simão, Miguel, Tiago e um menino fenómeno denominado Cristiano Ronaldo. A renovação da selecção tinha-se dado com a ajuda de um Brasileiro naturalizado português, Deco, e um central de grande classe, de seu nome Ricardo Carvalho. José Mourinho, ao ganhar tanto pelo Porto, tinha colocado Portugal com talento cheio de rotinas azuis e brancas. O miúdo irreverente e franzino, era um novo Figo. E lá na frente, o presente e o futuro entendiam-se às mil maravilhas.

No final, uma tragédia negra. O violento acordar de um sonho.

Em 2006:

Postiga ia ocupando a vaga de Pauleta e começava a perceber-se que os jogadores Portugueses eram os que tinham vindo a fazer parte das escolhas do seu seleccionador. Um núcleo duro, sem grandes espaços para surpresas e sem grande talento jovem a impor-se. Ainda assim, Hugo Viana estava crescido e Cristiano Ronaldo já não enganava: era craque.

Uma grande campanha lusa: para trás ficaram holanda, numa dolorosa batalha, a Inglaterra em mais um momento hercúleo de Ricardo e a tradicional derrota para a França, que nos impedia de chegar à final. O adeus de Figo e Pauleta à selecção das quinas.

Em 2007,  Portugal começava a ter jovens referências:

Miguel veloso - 21 anos
Manuel Fernandes - 21 anos
Hugo Almeida - 23 anos
João Moutinho - 20 anos
Rolando - 21 anos
Paulo Machado - 21 anos
Ruben Amorin  - 22 anos
Nani - 20 anos
Varela - 22 anos
Manuel da costa - 21 anos

Para o Euro 2008, Scolari leva o jovem Rui Patrício, o lateral Bosingwa, os jovens médios João Moutinho, Miguel Veloso e Raúl Meireles, o extremo Ricardo Quaresma e o avançado Hugo Almeida.

Eis o 11 tipo Português, que acabou por tombar aos pés da forte Alemanha.

Para o Mundial de 2010, aproveitámos os sub 21 de 2007  - Ruben Amorim, Miguel Veloso e Rolando, por exemplo. Fábio Coentrão, Rolando e Zé Castro foram alguns dos jogadores que Queiroz resolveu levar consigo. Era um novo sangue que se misturava na selecção.


A fortíssima Espanha eliminou-nos e caímos aos pés da campeã. Uma prestação que demonstrou as nossas limitações e o problema que não soubemos acautelar: o ataque, o ponta de lança.

Seguiu-se o Euro 2012:

Paulo Bento era o seleccionador e apostou em jogadores experientes e consolidados. O mais novo e a maior "surpresa" era a ex estrela dos sub 20 portugueses, Nelson Oliveira. Tirando isso, um recrutamento interno, com destaque para Custódio e Ruben Micael do Braga, a juntar ao talento reconhecido lá fora. Uma selecção na linha do que se tinha notado: com perda de qualidade em sectores importantes. Ainda assim, sempre respeitada.


Voltámos a cair aos pés da Espanha, nas grandes penalidades. Para trás um mau começo com a Alemanha e uma bela vitória frente à Holanda. Uma selecção sem o perfume de outros tempos, ainda que houvesse rigor e crer.

Portugal em 2014:

Regressávamos ao Brasil e Paulo Bento levava expectativas elevadas. Cristiano Ronaldo pretendia o título e o clima era de confiança e expectativa. 


O polivalente André Almeida e o central do Zenit, Neto, eram sangue novo na defesa. Para o meio campo estava convocado a revelação William Carvalho e na frente, Éder do Braga e Rafa, também do Braga, espelhavam a necessidade de mais golo.

Em território que já foi nosso, fomos escorraçados pela Alemanha, reerguemo-nos com o Gana e evitámos uma vergonha maior com os Estados Unidos. Saímos cabisbaixos, de uma fase de grupos decepcionante. Faltou classe. Classe que já tínhamos demonstrado, em tempos, quando a geração era de ouro.


Resumidamente, mostrámos que às vezes é preciso dar um passo atrás para dar dois em frente. A Bélgica meteu o dedo na ferida e curou-se. Reinventou o seu futebol e modernizou-o. Hoje é uma selecção completa em todos os sectores, forte em cada posição. Continua com uma grande escola de guarda redes, mas não se resume apenas neles.

Já Portugal, tentou misturar alguns talentos jovens com os seus melhores jogadores, experientes. Maximizou a experiência das suas referências e colmatou as suas saídas com medianismo. A qualidade decresceu na globalidade. Somos ricos em extremos mas débeis em avançados/pontas de lança. Há problemas que não conseguimos corrigir ao longo do tempo. A ver vamos como será o futuro...

Agora, com o Euro 2016 à porta, Portugal e Bélgica centram enormes expectativas na competição. Para nós, é mais uma prova, um habitué, em que tentaremos piscar o olho ao troféu. Mas reconhecemos que já fomos mais fortes. Para os Belgas, é o ponto de rebuçado, a hora da sua geração de ouro mostrar ao mundo que o trabalho que começaram em 2001 é palpável e digno de louvor. 

Dois países de futebol recheados de talento, mas que se apresentam em momentos distintos.

Talvez Bernardo Silva, João Mário, Renato Sanches e Rúben Neves consigam dar, num futuro próximo, um incremento qualitativo à nossa selecção.


Dois modelos distintos que se encontrarão no Euro 2016



Após o Mundial 2014


RC
Tiago Carvalo


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